Pular para o conteúdo principal

O papo do beijinho pra sarar


Acho que pelo menos uma vez por semana eu digo: “Machucou, filha? Vem aqui que eu vou dar um beijinho para sarar”. Eu já disse isso tantas vezes, que a minha filha brinca que um de seus bonecos bateu a cabeça e me pede para beijá-lo. Eu tenho certeza que você também já disse algo do tipo, e se não disse, é provável que ainda vá dizer. E aí, o beijo sara? Eu diria que sim, se não sara, ao menos diminui a dor. 

Quando você bate o dedo na cama, ou encosta a mão na panela muito quente, por exemplo, são ativados neurônios de dor que vão da sua pele até o sistema nervoso central. Lá esses neurônios liberam um neurotransmissor (aquela substância química que expliquei no “Papo dos papos dos neurônios”. É liberando essas substâncias que os neurônios conversam) que pode ativar um segundo neurônio, assim os neurônios seguintes continuam liberando neurotransmissores e você sente dor. Lembra que existem neurotransmissores que ativam e outros que inibem o neurônio seguinte? Pois é, e sempre tem um outro neurônio lá por perto que pode liberar esse neurotransmissor que inibe. O toque, por exemplo, pode fazer isso. Quando você se machuca, você esfrega o local e dá uma aliviada na dor, né? Uma das teorias que explica esse fenômeno é que o toque faz esse outro neurônio entrar na jogada, atrapalhando a transmissão da informação e você sente menos dor. E o beijo é um toque, não é?

Além disso, o nosso corpo tem mecanismos de modulação da dor. Por exemplo, se você estiver prestando atenção em alguma tarefa importante, provavelmente você não sentirá tanta dor. É por isso que quando você está com dor de cabeça, mas sai para passear, acaba até esquecendo que estava com dor, porque você desviou o seu foco de atenção. E lembra que se você não presta atenção é como se aquela informação não existisse? (Lembra do “O papo da atenção”?). Do mesmo modo, a sua dor de cabeça piora muito quando você está irritado porque as emoções também influenciam a sua dor. Existem regiões do nosso sistema nervoso central que integram informações de dor e de emoção, de modo que as últimas influenciem a intensidade da dor. E o beijo pra sarar é um ato de carinho, que transmite um conforto emocional. 

Então, a dor pode mudar em resposta a um toque, pode ser mais forte ou mais fraca dependendo da atividade que estiver executando naquele momento, da sua motivação e de suas emoções. Por isso, não necessariamente você sentirá a mesma intensidade de dor toda vez que você bater o dedo no pé da cama, mesmo que bata exatamente do mesmo modo. E se muda para a mesma pessoa em diferentes situações, imagine entre pessoas diferentes. A dor é subjetiva. É por causa disso que é tão importante respeitar a dor do outro, você não tem como saber o quanto realmente dói. Mas você sempre pode oferecer um abraço, ou até mesmo um beijinho para sarar.








Comentários

  1. Com certeza, foi muito esclarecedor, as vezes minha médica da acomputura brinca comigo que deveria aplicar dentro da minha cabeça.
    O fato das brincadeiras quando ela coloca as agulhas as dores vão diminuindo.
    Entendo que é os beijinhos!!!!
    Obrigada Lu

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O papo das “fake news” e um pouco de pesquisa científica sobre o tema

Preguiça de raciocinar! É o que um artigo recente sugere sobre o fato de acreditarmos nas “fake news”. Você sabe o que é isso né? Sabe, aquelas fotos acompanhadas por uma frase que sempre aparecem nas redes sociais? Ou artigos escritos por sei lá quem, longos textos que têm aparecido cada vez mais por aí... Muitas dessas informações são falsas, são as chamadas “fake news”. E com essa briga toda na política, tudo isso aumentou ainda mais e as pessoas compartilham essas notícias como se fossem verdade, sem nenhum tipo de verificação. Antes de encontrar esse artigo que citei acima, fiquei me perguntando o que leva todo mundo a acreditar em quase qualquer notícia que aparece. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que a pessoa que se identifica com determinado candidato tende a não acreditar nas notícias falsas que prejudiquem a imagem dele. Imaginei que seria semelhante a alguém chegar te falando que aquele seu grande amigo que é honesto e estudioso colou na prova. Com certe

O papo dos neurônios na decisão de tirar a fralda

Aqui em casa estamos em um processo de desfralde. Eu e meu marido na posição de incentivar, tomando cuidado para não pressionar nossa filha, e ela na posição de decidir tirar a fralda. Há alguns meses estávamos nesse processo sem muito sucesso, algumas vezes parecia que ela se animava, mas depois voltava atrás. Até que ontem minha filha tirou a fralda e disse que não ia mais usá-la, e até agora está seguindo firme na decisão. Então parece que entramos oficialmente na fase das calças molhadas e corridas até o banheiro. E aí, como minha filha tomou essa decisão de tirar a fralda? Há meses oferecemos o banheiro para ela aqui em casa, no shopping, na casa dos avós. Algumas vezes ela se interessava, outras não. Começando a traduzir isso em linguagem de neurônio, ela teve uma série de estímulos, algumas vezes eles foram suficientes para desenvolver a resposta de decidir ir ao banheiro, outras vezes não. É claro, que quando falamos de tomadas de decisão dessa complexidade, não dá pra fa